Dentre os cativos transportados para Babilônia as Escrituras destacam a extraordinária figura de um jovem da linhagem real cuja integridade de caráter e fidelidade a Deus enriquece o relato sagrado e permanecem até hoje como exemplo a todas as gerações: Daniel. Foi ele sobremaneira honrado por Deus e se destacou com os mais elevados cargos na corte do império babilônico e do seu sucessor, o império medo-persa.


Ele ascendeu rapidamente à posição de primeiro-ministro do reino de Babilônia. Através do reinado de sucessivos monarcas, da queda da nação e o estabelecimento de outro império mundial, foram de tal natureza sua sabedoria e capacidade de estadista, tão perfeitos seu tato, cortesia, genuína bondade de coração e sua fidelidade ao princípio (...) que teve até o reconhecimento dos seus inimigos. Honrado pelos homens com as responsabilidades de Estado e os segredos de reinos que tinham alcance universal, Daniel foi honrado por Deus como Seu embaixador, sendo-lhe dadas muitas revelações dos mistérios dos séculos por vir, algumas das quais não foram inteiramente compreendidas pelo próprio profeta (WHITE, Ellen G., O Cuidado de Deus, pp. 191-192).


Foi através de Daniel que o Senhor revelou as mais assombrosas profecias sobre o futuro e o destino do mundo, daquela época até ao fim, podendo ser dito apropriadamente do livro que traz o seu nome que o mesmo se constitui no Apocalipse do Antigo Testamento.


Aproximando-se o fim do período de cativeiro previamente determinado por Deus (Jeremias 25:11), tal fato foi lembrado por Daniel, como está escrito: No ano primeiro do seu reinado (de Dario), eu Daniel, entendi pelos livros que o número de anos, de que falou o Senhor ao profeta Jeremias, em que haviam de acabar as assolações de Jerusalém, era de setenta anos (Daniel 9:2).


Daniel, então, numa das mais belas e inspiradoras páginas das Escrituras abriu o seu coração perante o Criador e, na sua oração tão conhecida, humildemente reconheceu a culpa de Israel e a justiça do seu castigo. Do mais íntimo de sua alma suplicou a resposta do Céu, não fiado em sua justiça, mas nas muitas misericórdias de Deus.


A resposta do Senhor foi imediata: Estando eu ainda falando na oração, o varão Gabriel, que eu tinha visto na minha visão ao princípio, veio voando rapidamente, e tocou-me à hora do sacrifício da tarde. E me instruiu, e, falou comigo, e disse: Daniel, agora saiu para fazer-te entender o sentido. No princípio das tuas súplicas, saiu à ordem, e eu vim, para to declarar, porque és mui amado; toma pois, bem sentido na palavra, e entende a visão. Setenta semanas estão determinadas sobre o teu povo, e sobre a tua santa cidade, para extinguir a transgressão, e dar fim aos pecados, e para expiar a iniqüidade, e trazer a justiça eterna, e selar a visão e a profecia, e para ungir o Santo dos santos. Sabe e entende. Desde a saída da ordem para restaurar e para edificar Jerusalém, até ao Messias, o Príncipe, sete semanas, e sessenta e duas semanas; as ruas e as tranqueiras se reedificarão, mas em tempos angustiosos. E depois das sessenta e duas semanas será tirado o Messias, e não será mais; e o povo do príncipe, que há de vir, destruirá a cidade e o santuário, e o seu fim será uma inundação; e até ao fim haverá guerra; estão determinadas assolações. E Ele firmará um concerto com muitos por uma semana; e na metade da semana fará cessar o sacrifício e a oferta de manjares; e sobre a asa das abominações virá o assolador, e isso até a consumação; e o que está determinado será derramado sobre o assolador (Daniel 9:21-27).


O período das setenta semanas faz parte de um outro período mencionado em outra visão referida no capítulo anterior, o oitavo, do livro de Daniel. O anjo fora enviado com o expresso fim de explicar-lhe o ponto que tinha deixado de compreender, na outra visão, a saber, a declaração relativa ao tempo: Até duas mil e trezentas tardes e manhãs; e o santuário será purificado (Daniel 8:14).


Quando Daniel recebeu a visão relativa a este período, não lhe foi dado entendimento da mesma, mas apenas o atestado de que era verdadeira e que somente muito tempo depois seria cumprido. Por esta razão ele ficou perplexo, chegando ao ponto de enfraquecer e ficar enfermo vários dias (Daniel 8:26-27). Mas mesmo não sendo as revelações inteiramente compreendidas pelo próprio profeta, antes que findassem os labores de sua vida foi-lhe dada à abençoada certeza de que no fim dos dias , isto é, na conclusão do período da história deste mundo, ser-lhe-ia permitido outra vez estar na sua posição e lugar... (Daniel 12h12min e O Cuida do de Deus, p. 192).


Pelo princípio de para cada dia um ano (Números 14:34 e Isaías 34:8), quase que unanimemente aceito pelos estudiosos das profecias, as setenta semanas ou quatrocentos e noventa dias se referem a quatrocentos e noventa anos. Existem mesmo algumas traduções da Bíblia Sagrada que consignam a expressão setenta semanas de anos , referindo-se ao texto em questão. Este período é o que ainda restava ao povo de Israel como representante de Deus na Terra.


De todo o período mencionado de 2.300 anos deveriam ser determinadas , separadas , cortadas ou decretadas setenta semanas ou, como foi visto, 490 anos, como traduzem outras versões bíblicas do vocábulo hebraico nechtak. Portanto, 490 anos seriam cortados daquele período ou determinados sobre o povo de Israel. Em suma, deve ficar claramente estabelecido que, conforme o anjo declarara, setenta semanas, representando 490 anos, estavam separadas, referindo-se especialmente aos judeus.


Segundo o Anjo Gabriel as setenta semanas destinavam-se a uma obra especial exclusivamente para Israel e para a sua santa cidade, Jerusalém. Seis fatos, segundo o texto profético deveriam acontecer, dentro deste período:


1° – Fazer cessar a transgressão: O vocábulo hebraico kala donde é traduzido cessar ou extinguir encontram-se inúmeras vezes no Velho Testamento, sendo traduzido também como desviar , encerrar , fechar , deter . Uma versão francesa traduz a frase por – abolir a infidelidade . O pensamento é de acabar com a transgressão o que podemos compreender ser a vontade de Deus para com o Seu povo, vê-lo extirpar o pecado, cessar de cometê-lo. Dentro deste prazo o povo de Israel deveria reabilitar-se diante de Deus, sob pena de, findo o mesmo, deixar de ser o Seu povo escolhido (MELLO, Araceli S., Tes temunhos Históricos das Profecias de Daniel, pp. 556-557).


2° – Para dar fim aos pecados: A palavra pecados foi traduzida do vocábulo hebraico chatta-th que, de acordo com alguns manuscritos e os Massoretas, significa propriamente ofertas pelos pecados . Então, a frase profética é corretamente traduzida da seguinte forma: Para dar fim às ofertas pelo pecado . E este propósito foi alcançado com a morte de Cristo na cruz. Todo o sistema de ofertas sacrificais típicas do santuário, os holocaustos, apontava para a Sua morte no Calvário. Ali foi o Cordeiro de Deus sacrificado pelos pecados do mundo. Quando Jesus expirou na cruz infamante o véu do templo se rasgou em dois, de alto a baixo (S. Mateus 27:51). Jesus mesmo dissera aos judeus, referindo -Se ao grande templo: Eis que a vossa casa vos ficará deserta (S. Mateus 23:38). Portanto, com a morte de Jesus cessaram todas as ofertas sacrificais, as quais tiveram o seu cumprimento na cruz. Conseqüentemente deixaram de ter sentido todas as ofertas de sacrifícios simbólicos e todo o ritual do santuário que delas dependia.


3° – Para expiar a iniqüidade: O vocábulo hebraico do qual foi traduzida esta expressão é kaphar e quer dizer fazer expiação , mas não a expiação normal e anual do santuário terrestre, celebrada, anualmente, no dia 10 do sétimo mês, pelo sacrifício do bode expiatório. Quase ao término do prazo dos 490 anos de graça concedido aos judeus, estava previsto o ato pelo qual a remissão da culpa do mundo deveria ser concretizada: não através da morte de um bode expiatório, mas da morte do próprio Filho de Deus, que aquele bode simbolizava. Esta medida fora tomada já na eternidade, antes mesmo da fundação do mundo, quando já estava elaborado o plano da redenção do homem, como está escrito: ... o Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo (Apocalipse 13:8). Uma versão bíblica traduz o texto assim: ... e a iniqüidade se pague (Testemunhos Históricos, p. 558). Ora, verdadeiramente a iniqüidade se pagou, na cruz, com infinito preço. A grande dívida do pecador perante Deus fora ali resgatado. Este aspecto da profecia teve fiel cumprimento na cruz.


4° – Para trazer a justiça eterna: O Filho de Deus não veio ao mundo simplesmente para apagar o pecado pelo Seu próprio sacrifício, dando assim satisfação ao Pai sobre a dívida do pecador perante Sua lei transgredida. Por outro lado Sua morte não tornou o pecador imediatamente justo. Seu sacrifício teve por objetivo reconciliar o homem pecador com Deus, justificando-o para novamente ter o direito à vida eterna.


A justiça eterna é o mesmo que a justificação pela fé. Quando o pecador aceita a Jesus pela fé, naquele mesmo momento os seus pecados são perdoados e a justiça eterna de Cristo lhe é imputada. Naquele instante ele recebe o título para o Céu. Esta é a primeira dimensão da justiça de Cristo: o perdão. O culpado pecador é declarado livre e inocente e o imaculado Salvador é declarado culpado, tendo recebido na cruz a condenação pelo pecado. Há uma troca de posição entre Jesus e o pecador.


A justiça eterna é representada pelas vestes de Cristo, que cobrem a nudez daqueles que O aceitam como Salvador. Inúmeros textos ilustram esta maravilhosa verdade. Pela primeira vez ela é expressa através das vestes de peles de cordeiros mortos por Deus para cobrir a nudez do primeiro casal antes de deixar o Jardim do Éden, após o seu grave pecado. (Gênesis 3:21). Milênio mais tarde foi a mesma verdade ilustrada através da experiência do sumo sacerdote Josué, que teve as suas vestes sujas tiradas por ordem do Senhor , trocando-as pelas vestes novas da justiça (Zacarias 3:1-5).


Quando a justiça de Cristo cobre o pecador arrependido, não tem ele mais prazer no pecado, pois Cristo está operando em seu coração. Ele pode errar, sim, mas odiará o pecado que foi a causa dos sofrimentos do Filho de Deus.


Nas parábolas das bodas e do filho pródigo Jesus mostra claramente o significado das vestes da justiça. Na segunda, por ordem do Pai, o filho foi envolto no melhor vestido, para que não fossem mostrados os seus andrajos. Na primeira, somente foram aceitos nas bodas os que usavam o vestido nupcial. O homem que foi à ceia sem a veste de bodas representa a condição de muitos hoje em dia. Professam ser cristãos e reclamam as bênçãos e privilégios do evangelho, contudo não sentem a necessidade de transformação de caráter. Nunca sentiram verdadeiro arrependimento dos pecados. Não reconhecem a necessidade de Cristo, nem exercem fé nEle. Não venceram suas inclinações para a injustiça, herdadas e cultivadas. Contudo, pensam ser bastante bons em si mesmos, e confiam em seus próprios méritos em vez de nos de Cristo. Como ouvintes da palavra, vão ao banquete, mas não tomaram a veste da justiça de Cristo. Muitos que se chamam cristãos são meros moralistas humanos (WHITE, Ellen G., Parábolas de Jesus, pp. 313-316).


A Palavra de Deus expressa maravilhosamente em incontáveis citações esta tão admirável ilustração da justiça, representada por vestes ou trajes, cujos fios não foram tecidos em teares deste mundo. De Isaías, o profeta Messiânico, encontra: Regozijar-me-ei muito no Senhor, a minha alma se alegra no meu Deus; porque me vestiu de vestidos de salvação, me cobriu com o manto de justiça... (Isaías 61:10). E, de um dos mais antigos textos da inspiração, brota a cristalina verdade: Cobria-me de justiça, e ela me servia de vestido; como manto e diadema era o meu juízo (Jó 29:14).


A justiça humana é chamada por Deus de trapos de imundícia (Isaías 64:6). Sem as vestes da justiça eterna de Jesus, é impossível a justificação diante de Deus.


A justiça de Cristo é representada de duas formas distintas: Justiça imputada e justiça comunicada. Ao mesmo tempo em que Jesus imputa a Sua justiça ao pecador, comunica-lhe força e poder, através do Espírito Santo, para que ele possa resistir às tentações. A primeira representa o perdão e justifica o pecador diante do Pai. A segunda comunica ou concede força e poder a ele para resistir ao mal e andar em novidade de vida. A primeira, a justiça imputada, é o nosso título para o céu. A segunda, a justiça comunicada ou concedida, é a santificação, a nossa preparação para ele. Quando Jesus deu a Sua vida no Calvário, cumpriu esta dimensão da profecia, trazendo ao homem a oportunidade de receber a justiça eterna.


5° – Selar a vista e a profecia: O cumprimento histórico da profecia daria autenticidade e seria o selo que atestaria a procedência divina da visão das 2.300 tardes e manhãs, da qual as setenta semanas são partes integrantes.


6° – Para ungir o Santo dos Santos: O texto hebraico de onde é traduzida a expressão Santo dos Santos é qodesh haq godashim. Ele é repetido quarenta e cinco vezes no Velho Testamento designando coisas distintas. Foi usado para indicar muitos fatores ligados ao culto do santuário, distribuição das coisas santas, dedicação de animais e terras, e também a pessoas que se consagravam a Deus.


Não pode haver dúvidas de que o texto se refere à unção que Jesus Cristo, o Santo dos Santos, recebeu aqui na Terra, por ocasião do Seu batismo. Está escrito que ...Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com virtude... (Atos 10:38). E a referida unção já estava predita por Isaías, referindo-se ao ministério terrestre de Jesus, ao afirmar: O Espírito do Senhor Jeová está sobre mim, porque o Senhor me ungiu para pregar boas novas aos mansos: enviou-me a restaurar os contritos de coração, a proclamar liberdade aos cativos, e a abertura da prisão aos presos; há apregoar o ano aceitável do Senhor e o dia da vingança do nosso Deus; a consolar todos os tristes (Isaías 61:1-2).


O próprio Senhor Jesus Cristo afirmou que a unção mencionada por Isaías se referia a Ele (S. Lucas 4:16-19). Todas as condições especificadas no verso 24 tiveram, portanto, cumprimento perfeito.


A versão clássica da Bíblia do Padre Antônio Pereira de Figueiredo relata, na página 217, volume XV, o seguinte: As setenta semanas são sem dúvida centenas de anos (490 anos), pois era muito comum entre os judeus falar-se em centenas de anos. De sete em sete anos celebravam o ano sabático e cada sete centenas o ano jubilar da redenção. As setenta semanas assinalam de um modo geral um período dentro do qual se realizará a obra do Messias que estará concluída no meio da última semana. Virá então a justiça prometida pelos profetas e aparecerá o Messias. Que esse Messias seja chamado Santo dos Santos (em hebraico Santidade das Santidades ) explica-se por dever Ele ser o Sumo-Sacerdote por excelência com o ofício especialíssimo de libertar o mundo do pecado e santificá-lo (destaques acrescentados).