O reino hérulo foi o primeiro a cair. Odoacro, seu último rei, imiscuíra-se nos negócios do papado, o que foi por ele considerado intolerável. Foi Odoacro o autor de um decreto promulgado por ocasião da eleição do papa Félix II, em 485, impingindo ao papa algumas proibições, sob anátema. Em princípio o papado pareceu aceitar tal decreto, sem protesto. Foi, entretanto, fortemente condenado em um sínodo pelo papa Simaco (502), como uma inescusável interferência do poder civil contra os interesses da igreja (Enciclopédia Anglo Americana, Odoacro ). O papa Félix II concertou com o imperador católico do Oriente, Zenon, o imediato extermínio de Odoacro e seu reino. Em 488 envia Zenon à Itália a Teodorico e seus Ostrogodos, que estavam sob suas ordens no Oriente, com o propósito decidido de atender à solicitação de Félix II e dar fim ao reino de Odoacro (MELLO, Araceli S. Testemunhos Históricos das Profecias de Daniel, p. 387).


Após uma seqüência de batalhas, finda em 495 e para sempre o efêmero reinado dos Hérulos, sob Odoâcro, na Itália. Estava assim desarraigado o primeiro sério e imprudente obstáculo à supremacia temporal do papado no Velho Continente e no mundo (Ibidem).


O reino vândalo do norte da África foi o segundo alvo ariano do papado. Genserico, o seu rei, saqueou Roma em 455 e pôs em cheque o crescente poder papal. Nada valeu a intervenção do papa Leão I junto ao rei ariano para poupar a milenária cidade da terrível pilhagem que durou quatorze dias. Diz a História: Genserico quis extirpar o catolicismo, aplicando-lhe as leis promulgadas por outros príncipes contra os hereges, e só se abrandou a pedido de Zenon (CANTU, C. História Universal, vol. VI, p. 432).


Justiniano, o imperador do Oriente que elevou o papa à categoria de Cabeça das Igrejas determinou-se a por um fim aos reinos arianos. Perseguindo no interior o arianismo, queria ser no exterior o salvador dos católicos, libertando-os primeiro da escravidão dos vândalos (ONCKEN, G. História Universal, vol. VI, p. 162). Belizário foi o grande general bizantino destacado por Justiniano para a empresa contra os vândalos. Em apenas três meses e somente em duas batalhas principais, desapareceu o reino de Genserico. Estava, assim, liquidado o segundo obstáculo da carreira vitoriosa temporal do papado (Testemunhos Históricos, p. 388).


O terceiro e último obstáculo a ser vencido pelo papado foi o reino dos ostrogodos. Reinava então na Itália, Teodorico, ostrogodo, que era ariano. O papa Simaco (498-514) subira ao trono pontifício por influência sua. As relações entre o rei e o papa, entretanto, se tornaram críticas. O papa reuniu um sínodo de 115 bispos para condenar o rei por sua interferência nos negócios da Igreja.


Escreveu-lhe uma atrevida carta, em que compara a dignidade de um bispo com um imperador, alegando dispor dos bens do céu e que a sua dignidade pontifícia é superior a todas as grandezas da Terra. Diz, ainda, a carta: Se não sentis veneração por nossa pessoa, como podereis firmar o vosso domínio sobre povos e usar de privilégios de uma religião cujas leis desprezais? (Os Crimes dos Papas, vol. 1, p. 123). Isto, e mais a ameaça de excomunhão, talvez tenham sido a causa da morte deste papa, ordenada por Teodorico.


Em meio a esta tensa situação, veio a morrer o rei. O desfecho desta cruenta crise entre os ostrogodos e o papado verificou-se entre Vitiges, o terceiro sucessor de Teodorico, e o exército de Belizário enviado por Justiniano. Após aniquilar os vândalos no norte da África, passa Belizário à Itália para dar combate aos ostrogodos arianos. Depois de fazer capitular Nápoles, Belizário e seu exército foram entusiasticamente recebidos em Roma. Vitiges acode com 150.000 homens e estabelece o cerco da cidade. Neste histórico assédio de Roma empreenderam os sitiantes sessenta e nove ações entre assaltos e sortidas, e outros combates. Mas cada tentativa fôra desbaratada pela intrépida vigilância de Belizário e sua tropa de veteranos. Destituídos de esperança e subsistência, os ostrogodos, outrora um exército tão forte e poderoso, clamorosamente apressaram-se a levantar o cerco e retiraram-se de Roma, queimando suas tendas. Tumultuosamente repassaram o Milvian, perseguidos pelo general romano que lhes infligiu uma severa e vergonhosa derrota. Um ano e nove dias havia durado o cerco de Roma, suspenso por Vitiges em março do ano 538 (Declínio e Queda do Império Romano, vol. II, p. 541; Testemunhos Históricos, p. 390).


Cumpriram-se, assim, fiel e integralmente, todas as especificações da profecia que indicava a queda das três pontas , ou três reinos, que impediam a consolidação plena do poderio papal.


A partir desta data, março do ano 538, nada mais havia no caminho do papado que impedisse o completo exercício de toda a sua autoridade espiritual e temporal. Termina, aí, o terceiro período da Igreja, de Pérgamo ou elevação e tem início o quarto, representado pela carta à Igreja de Tiatira, que significa sacrifício de contrição . As satânicas perseguições aos cristãos, promovidas pelos imperadores, ficaram no passado.


No entanto, mais terríveis perseguições estavam reservadas aos Santos do Altíssimo , conforme as profecias inspiradas. Avizinhavam-se os tempos da completa apostasia e afastamento de todos os princípios ensinados por Jesus Cristo que ainda não haviam sido mudados pelo poder religioso anticristão assentado sobre Roma.


Aproximavam-se os sombrios tempos da inquisição, das fogueiras e torturas contra todos os que discordassem da autoridade e doutrinas do Anticristo. Aqueles que são chamados por Deus, através de Sua Santa Palavra, de Santos do Altíssimo (Daniel 7:25), são perseguidos, degradados e mortos, considerados por Roma como hereges.


Em contrapartida, ao homem que o mundo chamava e chama pelo título de Sua Santidade , o Deus Altíssimo chama de o Iníquo e Homem do Pecado, Filho da Perdição (II Tessalonicenses 2:3 e 8).


As pernas de ferro da estátua simbólica já mencionada representam o Império Romano, antes de sua divisão. A Inspiração apropriadamente menciona os dez dedos dos pés da estátua como os dez reinos em que o Império foi dividido, que têm a mesma significação dos dez chifres da besta romana (Daniel 2:33 e 40-43).


O animal terrível e espantoso, a besta que representa o mesmo Império, descreve com maior riqueza de detalhes o quarto império da profecia. Dizem as Escrituras que os animais simbólicos subiam do mar (Daniel 7:2). O mar , aqui simbolizado, representa povos, e multidões, e nações, e línguas (Apocalipse 17:15).


A ponta pequena, cujas blasfêmias são representadas por uma boca que falava grandiosamente , é o papado. A seu respeito o profeta, assombrado, deu especial atenção, relatando não somente a sua origem, mas também o seu destino final: Então estive olhando, por causa da voz das grandes palavras que provinha da ponta; estive olhando até que o animal foi morto, e o seu corpo desfeito, e entregue para ser queimado pelo fogo (Daniel 7:7-8 e 11).


Observe-se a perfeita harmonia entre as diversas referências da Palavra de Deus. Paulo, referindo-se ao mesmo poder, afirma que ele durará até ao fim, quando será destruído pelo esplendor da vinda do Senhor. Daniel abrange todo o período, desde a sua instituição, até o estabelecimento do reino do Senhor, na Sua vinda, quando ele será destruído (versos 11 e 14).


Lembrando do exame da profecia de Daniel, que o verso 22, bem como os versos 9 e 10 do capítulo 7, referem-se ao estabelecimento do juízo, objeto do estudo e título do capítulo n° 4 desta série, insistimos na referência ao quarto animal ou quarto reino, na explanação do profeta: Disse assim: o quarto animal será o quarto reino na Terra, o qual será diferente de todos os reinos; e devorará toda a Terra, e a pisará aos pés, e a fará em pedaços. E, quanto às dez pontas, daquele mesmo reino se levantarão dez reis; e depois deles se levantará outro, o qual será diferente dos primeiros, e abaterá a três reis (Daniel 7:23- 24).


A clareza meridiana do cumprimento histórico não deixa dúvidas na identificação de todos os elementos envolvidos na profecia. Os dez reinos em que o Império Romano se dividiu já foram mencionados. A ponta pequena é o papado, como mostraremos através de incontáveis provas históricas que não podem ser negadas. Conforme já foi visto, também, as três pontas ou três reinos que se opunham ao mesmo foram, por sua influência, destruídos.


Vamos destacar o verso seguinte, para compará-lo mais adiante, com o mesmo assunto, tratado por outro profeta, João, do Apocalipse: E proferirá palavras contra o Altíssimo, e destruirá os santos do Altíssimo, e cuidará em mudar os tempos e a lei; e eles serão entregues em sua mão por um tempo, e tempos, e metade de um tempo (verso 25).